INTRODUÇÃO À PSICOPATOLOGIA GERAL
(…) a psicopatologia é uma ciência complexa: é uma ciência
natural, destinada à explicação causal dos fenômenos psíquicos
mediante os recursos e teorias acerca dos nexos extraconscientes
que determinam esses fenômenos; e é ciência do espírito, voltada
para a descrição das vivências subjetivas, para a interpretação das
suas expressões objetivas e para a compreensão de seus nexos
internos e significativos. (JASPERS, Karl 2000.)
É uma área do conhecimento que objetiva estudar os estados psíquicos relacionados ao sofrimento mental. É área da medicina, psicologia e psicanálise que tem como objetivo
fornecer a referência, a classificação e a explicação para as modificações do modo de vida, do comportamento e da personalidade de um indivíduo, que se desviam da norma e/ou
ocasionam sofrimento e são tidas como expressão de doenças mentais.
Dessa forma, Psicopatologia pode ser compreendida como um discurso ou um saber (logos) sobre a paixão, (pathos) da mente, da alma (psiquê). Ou seja, um discurso representativo a
respeito do pathos psíquico; um discurso sobre o sofrimento psíquico sobre o padecer psíquico. A psychê é alada; mas a direção que ela toma lhe é dada pelo pathos, pelas paixões.
Psicopatologia tem dificuldade de coesão teórica devido aos muitos discursos que abarca. Percebe-se que os conhecimentos a ela relativos parecem constituir-se apenas como um
aglomerado de especialidades. A Psicopatologia está ligada a diversas disciplinas: as psicologias, as psiquiatrias e ao corpo teórico psicanalítico.
Dentro da Psicologia, liga-se com Psicologia Clínica (direcionada ao diagnóstico, e ao estudo da personalidade), Psicologia Geral (noções de subjetividade, intencionalidade, representação, atos voluntários etc.), e ainda Psicologia ligada às neurociências, tradições hinduístas e outros.
A PSICOPATOLOGIA COM OLHAR PARA O SUJEITO
A psicopatologia enquanto estudo das “anormalidades” da vida mental é às vezes referida como psicopatologia geral, psicologia anormal, psicologia da anormalidade e psicologia do
patológico. É uma visão das patologias mentais (desordens) fundamentada na evolução dos conceitos pelas áreas de psicologia, psiquiatria e psicanálise (nesta última área, no sentido de
psicologia profunda das manifestações do inconsciente), em oposição a uma abordagem estritamente médica de tais patologias, buscando não reduzir o sujeito a conceitos patológicos,
enquadrando-o em padrões baseados em pressupostos e preconceitos.
O sintoma e o diagnóstico psicanalítico
A psicanálise torna-se, desde sua descoberta por Freud, um balizamento de escuta para a cura dos sintomas do sofrimento. Sintomas que vêm expressar, por meio de uma metáfora, a verdade do sujeito. Há uma relação de afetos, que mantém a produção de sintomas com a verdade e que abarca um “saber” inconsciente sobre o sujeito. Desse modo, o sintoma evidencia algo que tem uma significação e que está relacionado à história de cada um. Assim, não se pode perder de vista as relações do sintoma com a estruturação subjetiva do sujeito (VITORELLO, 2011).
Para Rodulfo (apud VITORELLO, 2011), o discurso familiar é para o sujeito o “tesouro de significantes”, lugar de onde retira as significações para sua inscrição no universo simbólico. Ao salientar a importância do “mito familiar”, o autor diferencia-o de história familiar. O mito diz respeito ao lugar ocupado pela criança na família, sua posição em relação ao campo desejante dos pais, incluindo tanto os processos ou tramas imaginárias (as fantasias e o brincar) como as funções parentais (materna, paterna, dos irmãos). Muito tem sido discutido sobre as funções parentais e as novas configurações familiares na contemporaneidade. Como identificar esses conflitos no sujeito?
Na compreensão de Dor (1994, p. 9), “o diagnóstico psicanalítico remete à dimensão de um embaraço técnico no campo do inconsciente” ao se confrontar com a prática psicanalítica e sua investigação. Nessa perspectiva, há uma dificuldade de balizamento ao utilizar um método dependente de “ferramentas” subjetivas. O psicanalista trabalha com incertezas ao escutar a narrativa histórica do paciente. Uma narrativa que, por vezes, entra em ressonância com sua própria história.
Segundo Dor (1994, p. 13),
[..] diagnóstico psicanalítico difere do diagnóstico médico. Existe no diagnóstico psicanalítico um paradoxo: por um lado, a necessidade de estabelecer um diagnóstico que balize o tratamento e, por outro, a impossibilidade de fazê-lo precocemente, uma vez que ele só poderá se delinear no transcurso da análise.
O diagnóstico médico visa, inicialmente, determinar a natureza de uma afecção ou uma doença, a partir de uma semiologia. A seguir, objetiva a classificação dos sintomas, que permite localizar um estado patológico no quadro de uma nosografia. Para o autor, o ato psicanalítico não pode se apoiar prontamente na identificação diagnóstica como tal. Uma interpretação psicanalítica não pode se constituir, em sua aplicação, como pura e simples consequência lógica de um diagnóstico, já que o sintoma tem múltiplas faces.
A técnica de investigação que o analista dispõe é a associação livre do paciente e a atenção flutuante, e é na dimensão do dizer e do dito que se definirá o campo de investigação psicanalítica. Como o espaço de palavra está saturado de “mentira” e tem o imaginário como parasita, a avaliação psicanalítica é essencialmente subjetiva e deve buscar desvelar a verdade do desejo. Ao considerar as incertezas encontradas no balizamento do diagnóstico psicanalítico, leva-se em conta a singularidade, a “composição” do mundo interno e do mundo externo, da realidade e da presença do outro.
O estranho e a alteridade contemporânea
Em suas descobertas analíticas, Freud interessou-se pelo tema do “estranho” no início do século XX, constatando que o estranho era um tema negligenciado no ramo da estética, uma vez que o enfoque, em seu tempo, era dado ao estudo da beleza. A temática do estranho, captada por Freud, constituiu-se como um assunto gerador de polêmica e de constrangimento, o qual a sociedade, em geral, evitava e ainda evita abordar. O tema do “estranho” foi aprofundado por Freud no texto intitulado Das Unheimliche, de 1919. Após pesquisa do sentido da palavra Unheimliche (estranho), em várias línguas, Freud o definiu como assustador e familiar, que se pode inferir também como lugar estranho (que pode se articular à ideia de uma pessoa desorientada no ambiente) estrangeiro, que pode dar a ideia de alguém vindo de outro lugar (THONES; PEREIRA, 2013).
É importante ressaltar que ele buscou seu significado nos fenômenos que causam estranheza. Assim, constatou que entre os exemplos de coisas assustadoras existe uma classe em que o elemento que amedronta pode se mostrar como algo recalcado que retorna. Contudo, o estranho não é nada novo ou alheio ao sujeito, mas algo que é familiar e há muito nele instalado, sendo que somente teria se alienado de sua consciência por uma operação de recalcamento (THONES; PEREIRA, 2013). A partir disso se pensa na conexão do estranho com a alteridade, ou seja, há um enlaçamento do estranho com a diferença, com a alteridade, com o outro da relação.
O sentimento do estranho no âmbito social se apresenta como pendular, relativo e relacional; oscila entre sentimentos amorosos e hostis, entre a representação de si mesmo e a representação dos outros. Portanto, o estranho se constitui como um território minado. Muitas são as definições e as relações que se fazem em torno dessa paradoxal categoria, na qual se busca compreender sobre um afeto e uma representação. O estranho mantém íntima relação com o que é próprio, aparecendo, assim, como o duplo do mesmo.
O duplo constitui, para Freud no seu ensaio sobre o estranho, um componente psíquico de fundamental importância. Rank (apud FREUD, 2006) constata que o duplo, como negação do poder da morte, se torna uma segurança para o sujeito contra a destruição do eu. As produções literárias de ficção da época, observadas por Rank, segundo Freud em 1914, indicavam a correlação direta do escrito com o psiquismo do escritor. Freud aprofundou essa noção de relações contra a castração na linguagem dos sonhos e no narcisismo primário. A partir de Freud, a psicanálise vem desvendando a topologia do sujeito de tal forma que se pode afirmar hoje, com segurança, que toda forma de expressão do sujeito guarda relação intrínseca com o mesmo. Todas as representações se mostram por meio do enunciado do discurso e no discurso do enunciado, como afirma Lacan. Nesse sentido, o duplo ocuparia o espaço da sombra, dos fantasmas que retornam, dos reflexos perdidos, de sujeitos que na ficção procurariam persistir à morte.
Thones e Pereira (2013) evidenciam formas diferentes sobre a representação do estranho, de si mesmo em relação ao Outro desconhecido. Para esses autores, é apenas a partir de si mesmo que o sujeito pode definir o outro, porquanto seja também definido pelo outro a partir do alcance de seu próprio olhar. Assim, as formas de relação do sujeito com o outro, e vice-versa, dependem dessa condição, ou seja, da incidência do Outro sobre o sujeito e do quanto este conseguiu se tornar independente, reconhecendo-o.
As mudanças na estrutura familiar da contemporaneidade, bem como a crise no conhecimento e o fim das certezas ou verdades absolutas surgem como possíveis causas de uma desorganização social e violência sem precedentes. Tem-se a impressão de uma ruptura do laço social e o fim das referências simbólicas, o fim da função e também da imago paterna. Para Cecarelli (2010), cada época tem a sua própria leitura de mundo, não sendo uma melhor que a outra. Desse modo, uma verdade ou um comportamento dura até que outra verdade venha sobrepô-la. Em Totem e Tabu, Freud (1914) traz o conceito de Weltanschauung, como visões de mundo às quais o homem recorreu ao longo do processo evolutivo: animista, religiosa e científica. Tais visões de mundo acompanharam a necessidade de proteção através do amor para aliviar o sofrimento psíquico de cada época.
O PSICANALISTA PODE SE UTILIZAR DO DSM?
Para mim a resposta é “não somente desse instrumento”, o que eu quero dizer com essa resposta é que o psicanalista precisa ter como base que o seu instrumento para psicodiagnóstico de uma desordem mental é inicialmente é por meio “da escuta subjetiva de um sujeito”, por meio dos sintomas, do caráter, da inibição e do estereótipo, ou seja, não existe uma regra “geral” ou mesmo o termo propriamente dito psico diagnosticar em psicanálise. Casa pessoa tem a sua subjetividade e esse olhar para o “Outro” e seu sofrimento psíquico. É, portanto, esse olhar que nos faz psicanalistas, bem como difere do psicognóstico psiquiátrico e em muitos casos psicológicos. (ALESSANDRO EUZÉBIO, 2019)